Como representar Portugal nos EUA mudou a minha vida

Redatora com Futuro
9 maio 2019

Se há uns tempos me perguntassem se pensava estar no momento da minha vida em que me encontro agora eu responderia que não; no entanto existem surpresas que vêm alterar tudo aquilo que planeamos. Em junho (2017) recebi a notícia que iria ser uma das embaixadoras portuguesas a representar Portugal em Boston, EUA, no programa de liderança internacional Women2Women. Porque é que considero estar num momento diferente? Porque esta experiência chegou mesmo a mudar a minha vida e, arrisco dizer, a mim própria.

Já alguma vez se imaginaram a representar um país? As respostas vão variar bastante e hoje vim expor-vos a minha. Sim, já me imaginei, mas nunca pensei que esse momento chegasse tão depressa e da forma que aconteceu. Em plena época de exames, deparei-me com o anúncio da candidatura a este programa e resolvi arriscar. Quando recebi a resposta de que era uma das selecionadas, todos os meus planos para o verão foram completamente alterados e aquele sorriso parvo de orelha a orelha insistia em não desaparecer.

Vê aqui a notícia que publicamos sobre este programa

O Women2Women - America International Leadership Program é estruturado pela organização não-governamental Empower Peace e reúne 100 raparigas líderes emergentes de vários países para que estas adquiram capacidades e instrumentos necessários assentes no compromisso de no regresso a casa se envolverem na sua comunidade com a criação de um plano de ação. Este projeto promove o empowerment feminino nos cargos de liderança a nível mundial, tendo sido o mote deste ano “Claim Your Seat at the Table”. Tive a honra de ser selecionada e patrocinada pela Embaixada dos Estados Unidos da América, acompanhada pelas minhas duas colegas embaixadoras, a Ana e a Joana. Nesta 12ª edição estiveram representados mais de 30 países, sendo a estreia de Portugal.

Depois de uma viagem de aproximadamente 12 horas, fomos recebidas por membros da organização que conseguiram trazer de volta a boa disposição que se tinha perdido no cansaço do voo. O networking começou logo no aeroporto até ao momento da chegada ao Wheelock College Campus, onde ficaríamos a pernoitar durante os 10 dias da conferência.

É difícil lembrar quantas vezes nesse dia disse “Hi! I’m Ana from Portugal!” e admito que a certa altura parecia um pouco patética, pelo menos sentia-me. Ali estava eu, sem conhecer ninguém e, no entanto, sempre que alguém cruzava os olhos comigo lá repetia eu a frase autocolante de apresentação. Pode parecer algo fácil, mas obriga-nos a sair da nossa zona de conforto. Mas sabem que mais? Não foi mau, não foi assustador. É realmente contraditório quando estamos longe de casa, do nosso porto seguro, e mesmo assim sentir que estamos bem e confortáveis. E esse sentimento paradoxal foi das melhores coisas que eu já senti.

Mal saímos do aeroporto parecia que tínhamos entrado no cenário de um típico filme americano. Desde o nosso transporte para o campus, naqueles autocarros amarelos escolares, ao dormitório. A viagem para o Wheelock College foi a minha primeira oportunidade de ver Boston ao entardecer. Lembro-me de ficar completamente apaixonada pelas luzes da cidade, pelos prédios altos, pela beleza daquele quadro que se compunha à medida que o sol se ia pondo. Estava no sítio certo.

Os dez dias da conferência basearam-se em temas subordinados ao empreendedorismo, à liderança e à inteligência emocional. A experiência de ter estado com pessoas de altos cargos, como por exemplo do Governo norte-americano (Joseph Kennedy III), foi inesquecível e garantiu-me a uma idade tão jovem poder ter entrado em contacto com estas pessoas sabendo que no contexto português isto será um caso raro, infelizmente. Daí que o Women2Women tenha sido um ponto de viragem na minha vida tanto a nível pessoal, como a nível profissional.

Sinto que terei de destacar aqueles que foram os momentos altos do programa. Começo não por um momento, mas por uma observação: as temáticas abordadas. Foi algo de inovador para mim ver uma conferência dedicar-se a temas, por exemplo, como redefinir o falhanço, como olhar para ele e evitar quebras de confiança, como aprender com ele? O que é um(a) entrepreneur e como me posso tornar num(a)? Que competências são necessárias para ser um líder na minha comunidade? Como é que eu, uma rapariga ambiciosa portuguesa que quer chegar longe, posso um dia subir a um cargo de liderança?

Não posso deixar de falar sobre Harvard. A tarde em que estivemos na Kennedy School of Government é das melhores recordações que levo comigo deste programa. Ouvir as histórias emocionantes do grupo Mason Fellows foi inspirador. Depois fomos explorar Harvard Square e foi aí que as amizades começaram a florescer. Desde corridas à chuva e ao frio que nos surpreenderam, à procura entusiasta das sweatshirts de Harvard mais baratas, à comida picante do restaurante mexicano, às risadas de felicidade.

O último dia foi passado na Massachussets State House, onde apresentamos o resultado do nosso plano de ação. Tive a sorte de apresentar um projeto meu na House of Representatives de Boston. Naquele momento senti-me uma verdadeira líder e capaz de gerar impacto no mundo com as minhas ideias.

O que mais me marcou foram as amizades que fiz lá. Saí de Boston com a sensação de que tinha uma nova família. Estávamos lá para nos apoiar umas às outras, para dar um abraço quando as lágrimas surgiam, para rir e ir dar os típicos passeios à Target. Quando em Rockport, Massachussetts, fomos em grupo comprar o delicioso fudge, o funcionário da loja não acreditava que nos conhecíamos apenas há 5 dias pela proximidade que demonstrávamos. Passaram-se cinco meses e não há um dia em que não haja uma mensagem por ler no grupo do WhatsApp. Foram amizades que se construíram e enraizaram-se.

Como representante de Portugal terei de dar a este testemunho um sentido de crítica e análise à situação portuguesa no que toca à igualdade de género, que muitas vezes tive de reportar durante os meus dias em Boston. Comecei por falar-vos do impacto que o programa teve em mim e é aqui que eu o encontro. É facto que o problema da igualdade de género é global e todos os países olham para ele de formas diversas, mas não podemos negar que este tipo de programas são necessários em Portugal. É urgente dar mais confiança e poder às raparigas, mulheres e principalmente aos jovens. Não tomem esta minha ideia como discriminatória para o lado masculino. A igualdade de género, nos dias em que vivemos, terá de pressupor o mesmo nível de oportunidades, o mesmo nível de aplicação prática dessas oportunidades.

Para isso, precisamos de investir nestas jovens raparigas e mulheres no seio da sociedade portuguesa, para as igualar ao homem que está numa situação privilegiada. E é aqui que a discussão sobre o movimento feminista surge e a forma, muitas vezes errada, como ele é interpretado. Em nenhum momento se propõe que este movimento vá retirar algo aos homens, ou que ele defina o oposto equivalente ao machismo. Há muita falta de informação, manipulação dessa mesma informação e, acima de tudo, um sentimento de incompreensão constante.

Porque somos a geração de jovens de hoje, precisamos de trabalhar para construir um mundo onde esta sensação de incompreensão desapareça, que se desmistifique as ideias pré-concebidas sobre os vários paradigmas da nossa sociedade. Mas a pergunta ainda paira no ar: como? No meu caso, juntei um grupo de amigos e fundamos uma associação juvenil, a ATHENA. Com esta plataforma que estamos a construir, e que é o objeto do meu plano de ação estruturado no Women2Women, conseguimos incentivar ao debate, à partilha de ideias, ajudar na construção de ideias e projetos de jovens. Começa por identificarmos os problemas e refletir sobre eles.

Existe muita gente inovadora em Portugal que quer ter algum impacto positivo no mundo de hoje e esse impacto surge de ideias, que posteriormente levam a projetos. Muitas vezes esses projetos não avançam porque os jovens sentem-se sozinhos e não existe propriamente um incentivo. Há um “telhado de vidro” sobre os jovens em Portugal, que os impede de ambicionar mais que o expectável. Mas perguntem-se a vocês mesmos: o que é o expectável? E é a partir daí que esse telhado de vidro começa a partir. Nós podemos ser mais que um canudo de uma licenciatura, podemos ter um impacto social e ser empreendedores dentro da nossa comunidade. Porque é isso que no final vai ditar a diferença e é isso que vai contribuir para a construção de um mundo mais pacífico, tolerante e justo.

Eu sei, é um discurso muito bonito, mas a prática é sempre mais complicada. E é verdade. Neste processo todo já falhei, mergulhei em crises existenciais, tive frustrações e choques a deparar-me com a realidade. De Boston retirei a lição de que tudo isto é normal e que devemos formatar a nossa mentalidade para aceitar o falhanço e aprender algo com ele, tal como diz o ditado, é com os erros que se aprende.

Depois daqueles 10 intensos dias em Boston, com mais de 100 raparigas de toda a parte do mundo, só tenho uma mensagem a espalhar para o meu país: não tenham medo de ser líderes. Não tenham medo de segui-los.